quarta-feira, 9 de outubro de 2019

AQUI SE FALSIFICA DOCUMENTOS


          Estive, na semana passada, em um estúdio de impressão, cópias e reprodução de documentos (as chamadas kônicas, em Luanda) e presenciei algo que me deixou pasmado. Na verdade não era a primeira vez que tinha presenciado algo do género, mas pelo fato dessa última vez me ter chamado a atenção de tal maneira, resolvi escrever sobre o assunto.
Não são poucas as vezes que vou a estúdios copiar ou imprimir algum documento, e em muitos deles há reclames, em lugares claramente visíveis, com os dizeres, em letras garrafais: “AQUI NÃO SE FALSIFICA DOCUMENTOS” — ou similares. Mas esse ato de tamanha injustiça, mesclado de algum engenho humano que muito me impressionou, e entristeceu muito mais, é exatamente o oposto do que esses reclames dizem. Pelo que pude ver, o grupo de jovens trabalhadores daquela pequena empresa estava a usar um famoso programa de edição de imagem para alterar dados de um certificado de habilitação que me pareceu ser da 9ª ou da 12ª classe.
Semanas antes e em um outro estúdio, vi com meus olhos (pleonasmo propositado) um trabalhador, também jovem, a adulterar dados de uma declaração de serviço para sabe-se lá que fim. Mas devo dizer que coisas do tipo não são restritas somente a jovens, pois, além dos muitos alunos que se dirigiram a mim, no colégio onde trabalhei até o ano transato, com o fim de negociar — e muitos até implorando! — uma declaração ou certificado falso, recebi de um colega professor, e portanto adulto, pedidos insistentes para emitir uma declaração de estudos falsa em nome de um familiar seu que precisava para certa oportunidade de emprego.
São muitos os motivos, imagino, por que muitos vêm aderindo a essa prática condenável e que aos poucos vai ganhando espaço em muitas áreas da nossa sociedade. Pergunto-me quais serão as consequências que advirão disso se não a combatermos agora. Pergunto-me se esse mal tem sido praticado unicamente em pequenas e médias empresas e que os serviços públicos estão isentos dele. São muitas as questões que me vêm à mente quando me ponho a cogitar sobre isso: por que razões muitos aderem? São várias as razões, já disse. Mas, porquê muitos consentem, participando do mesmo? Dinheiro. Ganância. Queremos sempre mais. E mais. E mais.
Como se diz na gíria, o mundo anda de patas para o ar e todos nós sabemos. Mas se deixarmos a caravana seguir do jeito que está seguindo, sem fazermos, cada um de nós, alguma coisa contra, acabaremos tendo uma sociedade facilitada, onde ninguém precisará estudar e/ou trabalhar arduamente, e de maneira justa, para conseguir atingir os patamares que almeja, pois teremos à nossa disposição as kônicas, os colegas e os amigos, que nos concederiam o que precisarmos em recompensa de alguns trocados. E uma sociedade onde reina a injustiça!
Tenho os meus princípios. Quase todos têm seus. E não raras vezes somos tentados a violá-los por alguma razão ou interesse, às vezes alheio aos nossos. O desconhecido que nos procura com uma proposta tentadora, o colega que quer uma ‘ajudinha’, ainda que seja injusta, o chefe que ordena que se faça algum trabalho desonesto, a sociedade que nos impulsiona a querer mais… o mundo seria uma maravilha se fôssemos audazes e disséssemos “Não!” sempre educados, diante de situações do género, mesmo que isso nos custe alguma recompensa e quando muito, explicássemos o mal que esses atos fazem a todos...

Luanda, Fevereiro de 2016

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